5/10/2007

O papa e o manto da hipocrisia


O papa Bento XVI condena o aborto. Condena o aborto dos pobres, daqueles que não podem pagar de R$ 3.000,00 a R$ 5.000,00 para fazer um aborto seguro.Um aborto sem riscos de infecções, de perfuração uterina e de morte. O aborto é um procedimento cirúrgico que necessita de grande conhecimento médico para ser realizado sem riscos para a paciente. Tem que ser realizado em centro-cirúrgico, com todos os equipamentos para uma eventual emergência. A mulher pobre, quando não aceita a gravidez, não pode levar adiante a gravidez, quando tem consciência de que não pode sustentar, criar um filho, não quer a gravidez, tem que apelar para o aborto de fundo de quintal. Com instrumental sujo, contaminado, o aborto é executado por "parteiras" sem diploma, sem conhecimento médico. Isso ocorre no Brasil e em todos os lugares do mundo onde o aborto não é permitido por lei e não pode ser feito nos hospitais públicos. O aborto é tão antigo quanto a prostituição, a igreja sempre o condenou e o aborto sempre foi praticado. O aborto pode e deve ser evitado com o uso da camisinha, proibido pela Igreja, com o uso de anticoncepcional e pílula do dia seguinte, proibido pela Igreja, com o uso do DIU, proibido pela Igreja. A laqueadura e a vasectomia também são condenadas pela Igreja. Para a Igreja só pode crescer e multiplicar, ou jejum e abstinência. Como aceitar isso se há milhões de crianças no mundo passando fome, abandonadas, sofrendo como se estivessem no inferno, que, segundo a bíblia, é um lugar de condenação a grande sofrimento? O papa, ao invés de condenar o aborto, poderia condenar e excomungar todos os que pregam e fazem as guerras. Poderia condenar e excomungar os responsáveis pela miséria no mundo, pela miséria que dissemina doenças endêmicas e pandemias terríveis, devastadoras. Ser contra o uso da camisinha significa compactuar com a disseminação das DSTs, da AIDS, que vão vitimar milhões. Contaminadas, essas pessoas terão filhos já condenados pelas moléstias ainda antes de nascer. O papa poderia condenar e excomungar todos os donos de grandes fortunas, pois eles são os principais responsáveis pelas misérias do mundo. O aborto não deve ser usado como controle da natalidade, é apenas o último recurso para a mulher que não deseja a gravidez, e para que o aborto ocorra com segurança deve ser legalizado, deve ser feito em hospitais públicos. Condenar o aborto implica em liberar e multiplicar as clínicas clandestinas, as parteiras de fundo de quintal. O papa precisa olhar para o mundo real, despir o manto da hipocrisia e enxergar com compaixão as pessoas que estão no mundo como elas são e como elas vivem de fato.

Jussara Seixas