12/12/2006


MÉDICI, O NOSSO PINOCHET
Generais Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, João Baptista Figueiredo. Todos mortos, graças a Deus. Foram os nossos Pinochet. Em 1964 comandaram um golpe militar, destituíram um presidente eleito pelo povo e se mantiveram no poder por 20 anos. Como no Chile, contaram com ajuda financeira, logística e estratégica dos EUA. No caso do Chile, o presidente dos EUA na época, Richard Nixon, liberou 10 milhões de dólares para que o diretor da CIA, Richard Helms, articulasse um plano para evitar que Allende assumisse o poder, ou para provocar sua queda. Allende prometia fazer a reforma agrária e nacionalizar as indústrias estadunidenses, e Nixon achava que o Chile seria transformado em uma nova Cuba. Em 1970 o general Roberto Viaux recebeu um cheque de 35.000 dólares para assassinar o general René Schneider, que era contra o golpe. Hoje a CIA nega que tenha mandado matar o general, mas apenas seqüestrá-lo. No Brasil, agentes treinados pela CIA se infiltravam nos movimentos sociais contra a ditadura militar e entregavam os líderes dos movimentos para a polícia do regime ditatorial. Ensinavam aos policiais e militares brasileiros as técnicas de torturas que foram usadas na guerra do Vietnã. Ensinavam como obter bons resultados de confissões com os métodos de tortura. Foi um período de horror na história do Brasil. Pensar era proibido, ler era proibido, declamar era proibido, falar era proibido, cantar era proibido, encenar era proibido, filmar era proibido. Famílias foram dizimadas, jovens estudantes e trabalhadores desapareciam, alguns para sempre. Muitos apareciam mortos nos IML, com falsos laudos de óbitos. Reuniões contra a ditadura eram encerradas com tiros de metralhadoras e chacinas, como ocorreu em 1976 na Rua Pio XI, na Lapa, em SP. Nessa chacina morreram Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Augusto Drumond. Seus corpos tinham mais de 50 perfurações de balas. O alvo principal dessa chacina era João Amazonas, líder do PC do B, mas ele não estava presente, estava representando o Partido no exterior e foi na China que recebeu a notícia do trágico acontecimento. As torturas deixaram seqüelas físicas e psicológicas nos que sobreviveram. Muitos que passaram pelas torturas nos porões da ditadura ainda não conseguem falar sobre o que vivenciaram. Viam corpos de amigos e parentes mortos nas celas, ouviam os gritos de dor dos que estavam sendo torturados, e tinham a terrível certeza que seriam os próximos. O período mais cruel da ditadura se deu na gestão de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Seu período de governo ficou conhecido como "os anos negros da ditadura". Os movimentos estudantis e sindicais foram contidos e silenciados pela repressão policial. Nesse período ocorreram a maior parte dos desaparecimentos políticos e a tortura tornou-se prática comum nos DOI-CODIs. Em afronta ao povo brasileiro, como se toda essa barbárie não tivesse existido, como se tudo não passasse de uma ficção ou por uma atroz ignorância, a turma de formandos deste ano da Escola Preparatória de Cadetes do Exército intitulou-se "General Emílio Garrastazu Médici" e o celebrou como patrono. Não quero acreditar que essa escolha tenha partido dos formandos, acho que isso partiu de um comando que já deveria ter sido expurgado. É uma insensatez, um desrespeito para com todo o povo brasileiro, que não consegue apagar da memória esses anos malditos de horror. Vivemos em uma democracia, temos liberdade de escolha, mas por estarmos em uma democracia plena, por respeitarmos os Direitos Humanos, por lutarmos tanto por justiça, direito à vida e à liberdade, jamais um facínora sanguinário como Médici deveria ser homenageado e chamado de estadista. Esse período foi vergonhoso para o Brasil, manchou a nossa história com perdas de vidas, com sangue de gente honrada, que lutavam por liberdade, por justiça social, fraternidade e paz. Ao fazer essa homenagem a Médici o comando do exército está tentando evitar que essa página seja virada. Uma página podre, fétida, desfeita e carcomida como a alma dos que homenageiam os assassinos mortos.
Jussara Seixas

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